sábado, 9 de maio de 2009

Um Leao brasileiro na Africa

Um Leao brasileiro na Africa



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vencer é não desistir.
DI Cal Rosane Vailatti
Projeto África do Sul 2010

Zé do Pedal na metade do caminho

Francisco Assis de Souza Castro

Jornalista: Registro MTb/MG: 13926

(Autorizada a publicacao pelo autor)

Enquanto a Seleção Brasileira de Futebol defende sua classificação para a Copa do Mundo de Futebol de 2010, um brasileiro solitário segue em direção à África do Sul, País que sediará os jogos. Ambientalista, aventureiro fotógrafo, José Geraldo de Souza Castro, o Zé do Pedal, 51, a cada momento demonstra que, quando se tem um sonho e coragem suficiente para concretizá-lo, a máxima distância é logo ali na esquina.

A sua atual façanha completa um ano. No dia 10 de maio do ano passado, uma densa névoa cobria o céu do verão parisiense, quando um minúsculo kart movido a pedal, construido e adaptado especialmente para a viagem pela empresa holandesa BERG Toys, começou a afastar-se lentamente da estrutura gigante da Torre Eiffel. Aos poucos, o traçado inicial foi se desenhando em magníficas paisagens até se agigantar no deserto africano do Saara. Foi assim mesmo: França, Portugal, Espanha, Marrocos, Sahara Ocidental, Mauritânia, Senegal, Mali, Burkina Faso e, agora, Costa do Marfim. A primeira etapa de 8.500 quilômetros percorridos encerra-se neste sábado, 9, na cidade de Bouaké, região central deste último país.

Diferente dos outros projetos, mescla de aventura e alerta sobre a destruição do meio ambiente, –“ Copa do Mundo Espanha-82”, “volta ao mundo”, “Da Liberdade ao Cristo”, “Velho Chico”, “Travessia da Baia da Guanabara” e “Nas Águas do Tietê” – o objetivo agora é mais nobre: chamar a atenção da comunidade internacional sobre dois dos maiores problemas que afetam a visão das crianças no mundo inteiro, principalmente nos países mais pobres: Catarata e Glaucoma e, assim, conseguir fundos para o programa Sigth First (Visão Primeiro), uma campanha do Lions Clube Internacional.

O Sight First já restaurou a visão por meio de cirurgias de catarata e aprimorou os serviços de atendimento oftalmológico para centenas de milhões de adultos e crianças. Para continuar e expandir essa iniciativa, o Lions lançou a Campanha Sight First II , na qual Zé do pedal está inserido, com o objetivo de angariar pelo menos US$ 150 milhões.

É o próprio aventureiro, membro do Lions Clube de Viçosa, que justifica: "Sempre estou fazendo campanhas a favor do Meio Ambiente, mas sei que no mundo existem milhares de crianças e adolescentes que não podem ver o verde como o verde é. Estas pessoas conhecem uma cachoeira apenas pelo barulho das águas batendo nas rochas e conhecem um pássaro apenas pelo seu cantar. Nós podemos reverter esse quadro. Basta que cada um faça um pouquinho. É tão fácil e simples como conservar limpo nosso Planeta”.

Nem sempre o percurso é tranqüilo. Na própria Costa do Marfim existe uma área controlada por uma milícia rebelde (posicao atual do cilista) e quase que totalmente abandonada pelo poder oficial. Mas tudo é uma verdadeira aula de conhecimento e até a constatação de um país que não existe, o Saara Ocidental. O Zé conta sua experiência no episódio que ele denominou de um pais imaginário:

"Quando sai de Tarfaya, e após rodar mais ou menos uns 20 quilômetros até a cidade de Ada, suposta fronteira entre o Marrocos e o Sahara Ocidental, não vi nenhum sinal de fronteira... nem guardas, nem aduanas... nada! Apenas o tapete negro do asfalto rasgando a areia do deserto. Começava ali, minha passagem por um país que só existe no mapa mundi e é reconhecido pelas Nações Unidas. Depois da retirada da Espanha em 1975, o Marrocos ocupou, juntamente com a Mauritânia, todo o território. Contrariando decisões e reconhecimentos de organismos internacionais, Marrocos mantém a ocupação do Sahara Ocidental através de 200.000 colonos (marroquinos) subsidiados pelo estado. A 22 de Fevereiro de 1982, República Árabe Saharaui Democrática (RASD) é admitida oficialmente como membro da Organização de Unidade Africana. Progressivamente, 73 Estados de todo o mundo a reconhecem. Até 1990, é longa a sucessão de resoluções aprovadas no seio das diferentes organizações internacionais. Todas lembram o direito do povo saharaui à autodeterminação e à independência... Mas sobre o terreno, nada muda: No papel, o Sahara Ocidental é uma grande nação... mas na realidade, é uma utopia", Conclui Zé do Pedal.

Na próxima segunda-feira, começa a segunda etapa da viagem. Aos poucos a África do Sul se aproxima e, com ela, a certeza de assistir a primeira Copa do Mundo de Futebol da FIFA, realizada naquele continente. São só mais 8.500 quilômetros de pedaladas.

Um pouco de história*

Olhos de um azul profundo, nariz afilado, lábios finos, cabelos sempre revoltos, feições assim um pouco hollyoodianas; corpo magro, estatura média e a pele clara, embora bronzeada pela constante exposição ao sol. Tudo isso, somado a um espírito inquieto e a uma alma pura, sempre disposta a compartilhar dos problemas do próximo e, porque não, do mundo. José Geraldo de Souza Castro, o Zé do Pedal, é assim. E isso, o faz igual e diferente. Inspira surpresa e confiança por onde passa, mesmo que a pessoa o tenha visto pela primeira vez.

Menino de origem pobre, ele nasceu em Guaraciaba/MG, em 15 de Julho de 1957. Caçula de quatro irmãos, perdeu o pai, o professor auto-didata Luiz José Martins de Castro, aos quatro meses de idade. Desamparada, a mãe, a doméstica Maria Auxiliadora de Souza Castro, três meses após a morte do marido, mudou-se para Viçosa, onde, com muito sacrifício, começou a traçar a trajetória de sua prole, transmitindo com sabedoria os ensinamentos de respeito, humildade, simplicidade, cumplicidade e companheirismo, quesitos básicos para a sobrevivência de quem não experimentou um berço de ouro.

No novo domicílio, lavando roupas para estudantes da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), hoje, Universidade Federal de Viçosa (UFV), dona Maria começou a preparar os seus filhos para a vida, oferecendo a eles aquilo que lhe fora negado: a educação escolar. Assim, em um ambiente humilde mas de muito carinho, José começou a ensaiar os primeiros passos, sempre procurando fazer algo para ajudar a sua mãe. Quando era inverno, na época bastante rigoroso, os agasalhos eram poucos e, após suportar o frio pelas ruas, havia sempre o aconchego do lar, onde a mãe o esperava, como a todos os irmãos, com uma fogueira acesa na cozinha do pequeno casebre. Acariciados pelos afagos da mãe e o calor do fogo, todos dormiam... José sonhava, ora dormindo ora acordado...

Em certa ocasião, praticamente foi adotado por alguns estudantes da Universidade, a quem prestava pequenos serviços, depois de levar ou trazer a trouxa de roupa que sua mãe lavava. Desta amizade com os alunos, surgiram laços mais fortes, como o caso de Joenes Pelúzio Campos, que ele escolheu para padrinho.

Em época de Natal e Dia das Crianças, José gostava de olhar os presentes na vitrine. Quando chegava em casa, confeccionava os seus próprios: eram bois de chuchu, carretas com rodas de pedaços de cuia e tantos outros. A vantagem era que os presentes da vitrine estragavam e seus donos tinham que comprar outros. Os de José não, estavam no próprio quintal.

Foi assim que passou sua infância: perambulando pelas ruas de Viçosa, em busca de um futuro que insistia em não chegar. Foi engraxate e jornaleiro. Vendeu pastéis aos passageiros dos “trens de ferro” que levavam e traziam gente e notícias. Mas também fez peraltices. Foram estas peraltices que o jogaram nas mãos de comissários de menores que o enviaram primeiro ao Patronato "Escola Agrícola Arthur Bernardes", hoje Centro Tecnológico de Viçosa (CENTEV), no Bairro Silvestre, em sua cidade; depois, para a Escola XV, no Bairro Quintino, no Rio de Janeiro. As autoridades que o enviaram para lá esperavam que ele criasse juízo. Não criou. Se ter juízo é viver escravo de convenções que determinam a passagem da maioria dos seres humanos pela terra, o Zé continua sendo um desajustado.

Ficou por pouco tempo confinado naquela "Casa de Passagem”. Mesmo assim, sofreu todo os abusos da sociedade. Foi privado de muitas coisas na adolescência. Porém, descobriu que existem muitos meios de se derrubar grandes obstáculos e viu que a persistência não é o mais prática, mas de todos, o mais eficiente. Um dia, aproveitando o descuido da segurança, fugiu. Reformatório, pensou, nunca mais. Hoje é um exemplo para os jovens mostrando que nem sempre a “ocasião forma o ladrão”. Teve todas as oportunidades para se tornar um marginal, mas o ensinamento e a persistência pela dignidade o tornaram o grande homem que hoje é "descrito", através destas linhas e de toda a imprensa.

No Rio, depois da experiência de interno como menor infrator, o ciclista encontrou o seu caminho em vários episódios. Dali partiu para uma missão quase impossível por que tinha certeza de que “o possível se consegue em pouco tempo e impossível demora mais um pouco”. Ali, o futuro começou em forma de presente. Como pode uma bicicleta mudar a vida de uma pessoa? Ou ainda, uma parte dela, os pedais, da determinar o destino de um aventureiro, transformando-o em ambientalista como um Dom Quixote em sua luta contra os moinhos de vento? De repente, o mundo, tão grande para os demais mortais, tornou-se pequeno para o Zé do Pedal.

Hoje, dedica-se ao meio ambiente. É secretário geral da Fundação S.O.S Planeta Terra, organização não governamental idealizada pelo ciclista em sua viagem; ex-assessor para o meio ambiente do Distrito LC 12 e do Lions Clube de Viçosa; e embaixador da Ong Apua Várzea das Flores, de Betim/MG. Tem participação em várias organizações mundiais e é solicitado a participar de eventos para conscientizar as pessoas do perigo que corre o Planeta pela falta de água, provocada por desperdícios e poluição dos mananciais.

Sua luta e trabalho com o meio ambiente começou pelo Rio São Francisco, onde José pôde ver, fotografar e relatar com tristeza o modo como o ser humano é incoerente no cuidado com a natureza, atirando despejos e detritos nas águas do rio sem nenhum constragimento e, por outro lado, exigindo que as autoridades tomem providências para a preservação do ecossistema.

Os barranqueiros, como são chamado os moradores ribeirinhos, o receberam com muito carinho e aproveitaram sua voz para pedir ajuda ao rio em agonia pois sua morte trará a destruição de muitos lares. Famílias inteiras já sofrem na pele as conseqüências dos atos desumanos deixados por turistas e moradores das cidades grandes que ficam próximas às margens.

Esta viagem já lhe rendeu exposições em várias cidades do Brasil e do exterior, pos ele também é fotógrafo. Além disso, ministra palestras em escolas conscientizando as crianças quanto ao valor da água e o cuidado a ser tomado para que o futuro não seja marcado por uma seca pior das já existentes no nordeste e alerta sobre a possibilidade de verdadeiras guerras futuras por um simples copo de água.

Ambientalista, aventureiro, fotógrafo, humanista, pedalista, viajante, José ou, simplesmente, Zé. São muitos os substantivos que o apresentam e os adjetivos que o qualificam.

A infância vai-se longe, mas a esperança de que há sempre um lugar para se chegar continua empurrando o aventureiro em busca de novas emoções.

*Extraido do Livro: “Pedais da Esperança: as aventuras do Zé do Pedal”

Autor: Francisco Assis de Souza Castro

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